24 maio, 2012

Esperava a chuva como quem esperava um milagre. Esperava o céu anubliado e pesado, as manhãs escuras e a tarde fria, todas estáticas e iguais. Esperava a chuva como quem saía à caminhar nas tardes geladas do outono, sem rumo e sem hora pra voltar. Esperava a chuva como quem fosse voltar pra crista da onda, no topo do mundo, depois de um afogamento quase mortal por não ter sabido manter o equilíbrio, por não saber lidar com as coisas que elevam a gente da maneira mais errada e falsa. Esperava a chuva como quem não entendia nunca o paralelismo forçado da vida e seus recomeços. Esperava a chuva como quem não tinha outra escolha quando caía senão a de levantar sem sacudir poeira nem nada e sair correndo, outra vez, pra fugir do tempo que nos corre atrás de braços, olhos e dentes arreganhados. Esperava a chuva como quem acreditava em anjos, e tanto que conversava com eles toda noite e lhe acariciavam os cabelos até que pegasse no sono. Esperava a chuva como quem carregava dentro do peito o medo de que fossem tomadas como verdade imutável as palavras ditas por aquele eu que não parava nunca de se (re)construir, não parava nunca de se acabar. Esperava a chuva como quem na vida cansa de esperar e grita de agonia até que seja ouvido no fundo desse mundo imundo.

Um comentário:

  1. E a chuva vem pra lavar uma porção de coisas e carregar em sua correnteza outra porção de coisas.

    Gostei muito, Josi.
    Saudade de você.

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